Situação Actual
A produção da época 2019/2020 nas zonas afectadas pela seca esteve acima de 50 por cento abaixo da média, confirmada pelos informantes chave de campo e o Índice de Satisfação das Necessidades Hídricas (WRSI), que mostra um fracasso generalizado da produção nas zonas afectadas pela seca no sul e no centro. A maioria das famílias pobres tem poucas ou não possui quaisquer reservas de alimentos e depende do mercado, uma vez que a maioria não conseguiu a produção da segunda época devido à baixos níveis de humidade do solo. Não tendo conseguido repor as suas reservas alimentares, muitas famílias pobres dependem de compras no mercado desde Março/Abril, muito mais cedo do que o normal, com o número de famílias dependentes do mercado a crescer gradualmente de Março/Abril a Outubro. Nas zonas rurais, a renda proveniente do auto emprego, uma fonte importante de renda para as famílias mais pobres, é limitada devido à crescente concorrência e falta de demanda das zonas urbanas e peri-urbanas, onde as medidas de controlo da COVID-19 afectaram principalmente a renda das famílias urbanas. Nas zonas afectadas pela seca, o risco de insegurança alimentar das famílias registou um agravamento nos últimos anos uma vez que muitas famílias perderam seus bens de formas de vida durante a seca severa ligada ao El Niño de 2016 e tiveram poucas possibilidades de se recuperarem totalmente devido às secas subsequentes. Devido à falta de infraestruturas e fraco acesso ao mercado, poucas famílias pobres geraram renda adicional com a venda de animais (principalmente galinhas) ou carvão. Actualmente, a maioria das famílias pobres tem adoptado estratégias de sobrevivência indicativas de “Estresse” (IPC Fase 2) e Crise (IPC Fase 3), incluindo a redução da frequência e quantidade das refeições, compra de alimentos mais baratos, empréstimos de dinheiro e alimentos de familiares e amigos ricos e consumo excessivo de alimentos menos preferidos, incluindo alimentos silvestres que podem causar problemas de saúde quando forem excessivamente consumidos. As famílias mais afectadas emigram em busca de melhores oportunidades de trabalho ocasional, incluindo a queima e venda de carvão ao longo dos principais corredores comerciais, mas o aumento da concorrência tem estado a limitar os níveis de renda.
Nas zonas afectadas pela seca do centro do país, incluindo o sul da província de Tete e partes do norte da província de Manica, mais famílias pobres começam a enfrentar défices no consumo de alimentos na sequência do fracasso da época agrícola 2019/2020, embora a situação de “Estresse” (IPC Fase 2) ao nível local ainda se faz presente. As famílias mais pobres estão sem reservas de alimentos desde Maio e dependem de compras no mercado. Os preços dos alimentos básicos estão acima da média devido à oferta do mercado abaixo da média. As famílias estão a intensificar as actividades de auto emprego; no entanto, devido ao aumento da concorrência, a renda proveniente destas actividades está significativamente abaixo da média, resultando em um poder de compra abaixo da média.
As famílias com acesso às zonas baixas com humidade residual suficiente tiveram produção da segunda época (principalmente hortícolsa) de Abril a Setembro. No entanto, houve um envolvimento limitado em todo o país devido à cessação prematura da precipitação durante a estação chuvosa de 2019/2020, excepto em áreas irrigadas. As famílias com acesso à segunda época estabilizaram ou complementaram o seu consumo de alimentos durante um curto período de tempo; no entanto, a produção (principalmente de hortícolas) é consumida imediatamente uma vez que normalmente não é armazenada. Assim sendo, a produção da segunda época se esgota em grande parte do país, excepto em áreas irrigadas onde a produção e o consumo são contínuos.
De acordo com o Ministério da Saúde, até 31 de Outubro de 2020, Moçambique tinha registado 12.869 casos confirmados da COVID-19 e 92 mortes relacionadas com a pandemia. A cidade de Maputo registou um rápido aumento nos casos confirmados, sendo responsável por cerca de 50 por cento de todos os testes positivos e 74 por cento do total de mortes ocorridos a nível nacional. Cerca de 87 por cento das hospitalizações cumulativas provêm da cidade de Maputo. O rápido aumento de casos confirmados tem aumentado a preocupação das autoridades de saúde de que as camas hospitalares disponíveis para casos intensivos possam atingir a sua capacidade máxima.
Moçambique permanece sob Estado nacional de Calamidade Pública e em nível de alerta vermelho. O país continua a observar medidas gerais de segurança, incluindo o uso obrigatório de máscaras, distanciamento social, encerramento de bares e barracas informais de venda e consumo de bebidas alcoólicas e redução do horário de funcionamento dos mercados. Como forma de reanimar a economia, o governo retomou gradualmente algumas actividades, mas, no geral, estas actividades têm pouco ou nenhum impacto nas economias das famílias pobres mais afectadas pelos impactos indirectos da pandemia da COVID-19.
As famílias pobres, especialmente nas zonas urbanas e peri-urbanas, continuam a enfrentar dificuldade em obter alimentos e renda suficientes. Muitas continuam a não conseguir fazer os seus pequenos negócios habituais e trabalho ocasional devido às restrições impostas pelo governo. As famílias de baixa renda, especialmente os seus membros mais jovens, têm desafiado as autoridades, envolvendo-se em pequenos negócios ou buscando oportunidades diárias de geração de renda nos mercados. Outras famílias começaram a desenvolver pequenas hortas em zonas baixas ou têm enviado seus membros para ficarem com familiares em melhores condições ou familiares nas zonas rurais.
Através do Instituto Nacional de Acção Social (INAS), o governo projecta prestar selectivamente apoio humanitário básico às famílias urbanas. No geral, as famílias pobres urbanas continuam a enfrentar dificuldades para a satisfação das suas necessidades alimentares através de compras no mercado, com as famílias pobres mais afectadas a enfrentarem insegurança alimentar aguda de Crise (IPC Fase 3).
Após a retomada dos movimentos transfronteiriços autorizados na África do Sul, o posto fronteiriço de Ressano Garcia com aquele país foi reaberto ao público no dia 1 de Outubro depois de seis meses de restrições. No entanto, para sua travessia os viajantes devem apresentar um teste de COVID-19 negativo. O acesso limitado e os preços elevados dos testes da COVID-19 têm limitado o número de pessoas que atravessam a fronteira, especialmente as do sector informal.
As tendências dos preços do milho variaram em Setembro, com os preços a aumentarem sazonalmente na ordem de 6-20 por cento na maioria dos mercados monitorados. No entanto, nos mercados de Maputo, Chókwe, Massinga e Mutarara, os preços têm permanecido atipicamente estáveis ou baixaram na ordem de 5-16 por cento, uma tendência atípica que provavelmente será uma forma de compensar o declínio menos acentuado observado no período pós-colheita. Em Setembro, as tendências dos preços do milho variaram em comparação com 2019 e estiveram na ordem de 13-48 por cento acima da média de cinco anos. Os preços do milho permaneceram consistentemente acima da média de cinco anos nos últimos anos, após sucessivos aumentos na sequência de choques múltiplos, incluindo ciclones, cheias, secas e conflitos que afectaram a produção. Como é típico, os preços da farinha de milho e do arroz permaneceram estáveis em Setembro. Os preços da farinha de milho e do arroz mantiveram-se estáveis face aos preços de 2019 e à média de cinco anos, excepto no mercado de Pemba. O mercado de Pemba, localizado na província de Cabo Delgado, tem-se mantido consistentemente com preços elevados da farinha de milho devido ao aumento da procura, uma vez que o conflito em Cabo Delgado teve impacto na produção local de milho.
O conflito em curso no norte e centro de Moçambique, especificamente no nordeste de Cabo Delgado e partes das províncias de Manica e Sofala, está a obrigar milhares de pessoas a abandonarem as suas zonas de origem. Em Cabo Delgado, os ataques de insurgentes têm se registado há cerca de três anos, afectando principalmente os distritos de Palma, Mocímboa da Praia, Muidumbe, Macomia, Quissanga e Nangade. Com o aumento da intensidade dos ataques, o deslocamento das pessoas das zonas afectadas aumentou rapidamente, bem como a necessidade de assistência humanitária. No entanto, a informação sobre a magnitude da dispersão e condições de segurança alimentar permanece escassa em algumas zonas devido à falta de acesso como resultado do conflito.
As autoridades governamentais estimam que mais de 435 mil pessoas foram deslocadas, mas este número poderá vir a subir uma vez que mais pessoas continuam a fugir das zonas afectadas pelo conflito. A insegurança está a fazer com que milhares de pessoas procurem abrigo em locais mais seguros, nomeadamente na cidade de Pemba, distritos de Metuge, Mueda, Mecúfi, Chiúre e Ancuabe, e nas províncias vizinhas de Nampula, Niassa e Zambézia. Um pequeno número de deslocados internos se refugiou em locais mais distantes noutras províncias do país. Cumulativamente a cidade de Pemba recebeu cerca de 100 mil pessoas, aproximadamente 50 porcento da sua população total segundo o censo de 2017 (200.529 pessoas). As autoridades municipais de Pemba têm trabalhado no sentido de re-encaminhar os deslocados internos para os distritos vizinhos tais como Metuge, Mecúfi e Ancuabe, devido à indisponibilidade de recursos em Pemba. Os deslocados internos estão sendo alojados em 13 centros de acomodação geridos pelo governo, incluindo na zona centro, enquanto outros vivem com familiares ou assentamentos informais à espera de serem encaminhados para um centro de acomodação ou reassentamento. Actualmente, a maioria dos deslocados internos depende da assistência humanitária ou de pessoas de boa vontade para a sua alimentação. O plano operacional do Programa Mundial de Alimentação (PMA) para Cabo Delgado, tem vindo a sofrer ajustes de acordo com a evolução da situação e recursos disponíveis, estando actualmente a cobrir cerca de 80 por cento das necessidades alimentares básicas de uma família de cinco pessoas durante 30 dias. Nas zonas afectadas pelo conflito, a interrupção das actividades de subsistência deverá estar a gerar défices no consumo de alimentos ou a aumentar o recurso às estratégias de sobrevivência negativas. Há relatos anedóticos de famílias que enfrentam défices maiores no consumo de alimentos a curto prazo enquanto abandonam as suas zonas de origem para as zonas de refúgio. Por outro lado, as mesmas zonas de conflito têm sido afectadas pela cólera desde Fevereiro, e até 27 de Outubro de 2020, Cabo Delgado tinha o quarto maior número de casos da COVID-19 confirmados em Moçambique e uma taxa de positividade cumulativa de 6,6 por cento.
No centro de Moçambique, os ataques perpetrados pela chamada Junta Militar da RENAMO são cada vez mais frequentes, tendo como alvo viaturas particulares, camiões de carga e autocarros de passageiros, criando um clima de medo entre as populações rurais. Devido à insegurança e impossibilidade de se envolverem nas suas actividades diárias, um número cada vez maior de deslocados internos no centro de Moçambique não consegue satisfazer as suas necessidades alimentares mínimas. Em meados de Setembro, o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) estimou que em Manica havia cerca de 5.500 deslocados internos nos centros de acomodação do governo, principalmente das províncias de Manica e Sofala. As famílias pobres deslocadas pelos conflitos no norte e centro de Moçambique poderão enfrentar insegurança alimentar aguda de Crise (IPC Fase 3).
A maioria destas famílias é constituída por deslocados sem acesso às suas actividades típicas de subsistência e meios de produção, o que limita o seu acesso aos alimentos e renda. A assistência humanitária em curso ajuda os beneficiários para que não transitem para piores cenários, mas devido à complexidade do conflito e ao rápido aumento das necessidades dos deslocados internos nas últimas semanas, os resultados de Crise (IPC Fase 3) ao nível local prevalece. Nas zonas afectadas pelo conflito inacessíveis, algumas das famílias mais afectadas que perderam as suas casas e seus bens enfrentam défices no consumo de alimentos ou aumento da necessidade de recorrência às estratégias de sobrevivência negativas indicativas de Emergência (IPC Fase 4). No entanto, a informação permanece extremamente limitada e seria difícil afirmar com segurança se algumas famílias estão a enfrentar tais situações severas. No entanto, não há evidências que possam sugerir que haja insegurança alimentar aguda de Emergência (IPC Fase 4) ao nível de classificação de área. As zonas afectadas pelo conflito no centro de Moçambique provavelmente enfrentam insegurança alimentar aguda de “Estresse” (IPC Fase 2), uma vez que a maioria das famílias pobres possui poucas reservas de alimentos e acesso limitado aos mercados ou oportunidades de trabalho agrícola e auto emprego.
A análise IPC da Desnutrição Aguda (AMN) de Maio de 2020 nas províncias de Tete e Cabo Delgado registou Desnutrição Aguda Global (GAM), Z-score de peso para altura (WHZ), aceitável (GAM <5%) nos distritos de Mágoe e Mutarara; enquanto os distritos de Ibo, Cahora Bassa e Chiúta tiveram a classificação de alerta (GAM 5-9,9%). Os distritos de Namuno e Marávia tiveram a classificação de alerta (GAM MUAC 5-9,9%) e grave (GAM MUAC 10-14,9%), respectivamente. De Abril a Novembro de 2020, a projecção da desnutrição aguda foi de uma transição para grave (GAM 10-14,9%) em Ibo, Namumo e Máravia e para alerta (GAM 5-9,9%) em Chiúta, Mágoe e Mutarara. Em Cahora Bassa, esperava-se que a desnutrição aguda transita-se para grave (GAM 10-14,9%) em Outubro. A deterioração da situação nutricional foi impulsionada principalmente pela redução projectada no acesso aos alimentos devido à produção agrícola abaixo da média, particularmente em Cahora Bassa, Mágoe e Mutarara, na Província de Tete, e os impactos do conflito em curso no distrito do Ibo, na Província de Cabo Delgado, afectando a alimentação, água e acesso aos centros de terapia nutricional. Factores sazonais tais como a deterioração das práticas de cuidados à criança e mulheres durante a sementeira em Outubro/Novembro e a eclosão de doenças sazonais tais como malária e diarreia em Outubro também contribuem para o aumento da desnutrição aguda. A utilização dos serviços de saúde já era baixa antes da COVID-19 e contribuiu para ocorrência de resultados nutricionais fracos, e o medo de contrair a doença levou a uma redução ainda maior na procura dos serviços de saúde.